Feira de Fragmentos

Quando os autores falam por e para nós.

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Local: do mundo, Brazil

segunda-feira, março 20, 2006

"Longe é um lugar que existe. Dentro da gente. Eu: tô sempre me procurando e sempre que me encontro descubro que mudei de endereço. Casa velha. Troços. Des-troços. Uma miopia. Que nada, outro enfoque pra vida. Percepção dos fatos alterados por uma névoa. Neve. Frio no coração. Órgãos no frigobar. "Por favor , garçom, queira me trazer um coração bem quentinho com molhos que eu estou me sentindo, assim, meio morto. Ah, e uma garrafinha de lágrimas com gás, por favor". Infinito. O que vem depois de Plutão, primo de Platão, ambos com a cabeça nas nuvens? São Pedro faz chover. São Jorge no cavalo. Cada um com a sua função. Burocracia até no céu. Saudade. Tesão. NÃO. Casamento, não. Mas muita, muita, muita muita vida. Muita, que é tudo tão pouco."

Bianca Ramoneda - poeta carioca- não sei onde encontrá-la.

[leia rápido e alto. tem um desespero que não se traduz com a leitura. confusão. bem vinda]

Nada como ficar a contemplar as próprias alucinações .Nada como se alienar no imenso mundo do meu cérebro. Sentir toda a poeira do planeta e do cosmo entrar pelos meus poros e fazer o corpo continuar a funcionar em função da imensidão. Todo o sangue e as células. Formiguinhas felizes. Que fazem seu percurso beleza que é pra ficar tudo legal EEEEEEE Jacutinga nue Paraná Qual vai ser que dizer mauá e beleza mara ÔÔÔ.

Guilherme Levi

[literatura psicodélica. deu pra entender?]

quinta-feira, março 09, 2006

Na volta que o mundo dá
(Vicente Barreto e Paulo César Pinheiro)


Um dia eu senti um desejo profundo

De me aventurar nesse mundo
Pra ver onde o mundo vai dar
Saí do meu canto na beira do rio
E fui prum convés de navio
Seguindo pros rumos do mar
Pisei muito porto de língua estrangeira
Amei muita moça solteira
Fiz muita cantiga por lá
Varei cordilheira, geleira e deserto
O mundo pra mim ficou perto
E a terra parou de rodar
Com o tempo
Foi dando uma coisa em meu peito
Um aperto difícil da gente explicar
Saudade, não sei bem de quê
Tristeza, não sei bem por que
Vontade até sem querer de chorar
Angústia de não se entender
Um tédio que a gente nem crê
Anseio de tudo esquecer e voltar
Juntei os meus troços num saco de pano
Telegrafei pro meu mano
Dizendo que ia chegar
Agora aprendi por que o mundo dá volta
Quanto mais a gente se solta
Mais fica no mesmo lugar.

[para o lugar que sempre vou e nunca volto.]

terça-feira, março 07, 2006

Tô bem debaixo pra poder subir
Tô bem de cima pra poder cair
Tô dividindo pra poder sobrar
Desperdiçando pra poder faltar
Devagarinho pra poder caber
Bem de leve pra não perdoar
Tô estudando pra saber ignorar
Eu tô aqui comendo para vomitar
Eu tô te explicando pra te confundir
Tô te confundindo pra te esclarecer
Tô iluminado pra poder cegar
Tô ficando cego pra poder guiar
Suavemente pra poder rasgar
Olho fechado pra te ver melhor
Com alegria pra poder chorar
Desesperado pra ter paciência
Carinhoso pra poder ferir
Lentamente pra não atrasar
Atrás da vida pra poder morrer
Eu tô me despedindo pra poder voltar

Tom Zé , e é só.

[eu tô. eu vou. atrás de mim que eu vou já.]

sábado, março 04, 2006

"Desde que me conheço o fato social teve em mim importancia maior do que qualquer outro: em Recife os mocambos foram a primeira verdade para mim. Muito antes de sentir 'arte' , senti a beleza profunda da luta. Mas é que tenho um modo simplório de me aproximar do fato social: eu queria 'fazer' alguma coisa, como se o escrever não fosse fazer. O que não consigo é usar o escrever para isso, por mais que a incapacidade me doa e me humilhe. O problema da justiça é em mim um sentimento tão óbvio e tão básico que nã consigo me surpreender com ele - e, sem me surpreender, não consigo escrever."

Clarice Lispector - Fundo de gaveta - Legião estrangeira.

[mulher de verdade. angústia de mulher de verdade. de gente de verdade.]

quinta-feira, março 02, 2006

"Meu pai sempre dizia que o sofrimento melhora o homem, desenvolvendo seu espírito e aprimorando sua sensibilidade ; ele dava a entender que quanto maior fosse a dor tanto ainda o sofrimento cumpria sua função mais nobre; ele parecia acreditar que a resistencia de um homem era inesgotável. Do meu lado, aprendi bem cedo que é difícil determinar onde acaba nossa resistencia, e também muito cedo aprendi a ver nela o traço mais forte de um homem., mas eu achava que, se da corda de um alaúde - esticada até o limite - se podia tirar uma nota afinadíssima (supondo-se que não fosse mais que um arranhado melancólico e estridente) , ninguém contudo conseguiria extrair nota alguma se a mesma fosse distendida até o rompimento. Era isso pelo menos o que eu pensava até a noite de meu retorno, sem jamais ter suspeitado antes que se pudesse, de uma corda partida, arrancar ainda uma nota diferente ( o que só vinha confirmar a possível crença de meu pai de que um homem, mesmo quebrado, não perdeu ainda sua resistencia, embora nada provasse que continuava ganhando em sensibilidade."

Raduan Nassar em Lavoura Arcaica - cap 26


[um dia eu tomo vergonha , esqueço o mundo, e, vou morar , como ele, numa fazendo escondida em algum interior de qualquer lugar desse país]